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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pilotagem - CURVAS: Contra-esterço - Olhar - Negociação

    Um dos maiores desafios na pilotagem de uma motocicleta é conduzi-la corretamente em curvas, sejam elas de baixa ou alta velocidade.  
Para facilitar o entendimento desse “post”, tomei como base motocicletas Harley Davidson “Custom”  rodando em estradas asfaltadas  (embora o princípio seja válido para qualquer moto) em velocidades acima de 25 km/h.  Existem vários aspectos que devem ser considerados numa curva; tais como redução de velocidade, posição do corpo, piso, etc tratados exaustivamente em outros "posts" por vários de vocês. Correndo o risco de me tornar repetitivo volto ao tema concentrando-me em três daqueles que julgo os mais importantes:
CONTRA-ESTERÇO
     Sem que saibamos o que é o contra-esterço e como ele atua corremos sérios riscos de acidentes.
Esterço é o movimento de guidon que fazemos para executar uma curva. E porque contra ? Como o próprio nome diz, para fazer uma curva para a DIREITA temos que, delicadamente, esterçar o guidon para a ESQUERDA ! Parece uma loucura mas não é, trata-se tão somente da física atuando com o chamado efeito giroscópico. Para ficar mais claro, existe um teste muito simples que pode ser feito com dois copos de vidro ou de plástico. Pegue dois copos idênticos, cujas bocas sejam maiores do que os fundos e coloque-os com as bocas encostadas uma na outra. Prenda os copos nessa posição usando fita durex ou isolante. Colocando os copos presos sobre uma superfície plana você verá que o meio é mais alto do que as extremidades tal qual o pneu dianteiro da moto. Quando a moto esta em linha reta ela vai se apoiar exatamente no meio (onde os copos estão fixados). Gire os copos para a esquerda (como se estivesse girando o guidon)  encostando  o copo da direita na mesa (a moto se apoia na lateral do pneu nas curvas), agora com a palma da mão empurre o copo que esta apoiado na mesa para a frente: embora ele esteja virado para a esquerda ele vai girar para a DIREITA !
     Como é que até hoje eu fazia as curvas com a minha moto sem perceber que estava fazendo isso ?   INSTINTO.  Pilotagem de moto é altamente instintiva e falaremos disso mais à frente. No caso do contra-esterço é fundamental que o utilizemos conscientemente  e a nosso favor, evitando situações como a experimentada por mim em meados de 2009.  Eu estava descendo a serra de Petrópolis quando, no viaduto que antecede o primeiro túnel, me vi mais rápido que minha competência permitia. Fiz quase tudo errado: toquinhos no freio da frente e tapinhas no freio traseiro de nada adiantaram, cada vez mais eu me aproximava do limite da pista. Já em pânico pensei: “-tenho que girar mais o guidon para a esquerda” , ou seja fiz exatamente o contrário pois a curva era para a esquerda e eu não sabia absolutamente nada de contra-esterço. O anjo da guarda tomou o guidon das minhas mãos e conseguiu fazer a curva. Passei a um dedo  (do Lula) da mureta do viaduto.
Se você ainda não acredita no tal de contra-esterço, pegue sua moto e vá para uma avenida larga e sem movimento e a 40 Km/h empurre a manete da direita delicadamente para a frente. A moto vai se inclinar para a direita e vai começar a curvar para o mesmo lado.

OLHAR    
A motocicleta vai para onde você olha.  Muita gente se acidenta em uma curva ao fixar o olhar no acostamento, no guard-rail, no carro ou na moto que vem em sentido contrário ou naquele que está a seu lado.
Nas fotos abaixo observe para onde está voltada a cabeça do piloto e a direção que a moto está tomando:






Na sequencia abaixo o piloto, ao fixar o olhar no carro, desistiu da curva, tirou a inclinação da moto e foi atraido para ele como se fora um imã. Bastaria tão somente olhar para o ponto de saída da curva e contra-esterçar com vontade, o espaço era suficiente para evitar o acidente








Repare que na primeira foto a moto está inclinada mas não no limite, significando que poderia contra-esterçar ainda mais. Porém, a partir do momento em que o componente OLHAR se desviou da SOLUÇÃO e passou a se fixar no PROBLEMA (o carro), o nosso amigo piloto desistiu da curva, tirou a inclinação da moto, provavelmente usou o freio de forma errada e totalmente desequilibrado em cima da moto caminhou como um boi caminha para o matadouro. Provávelmente a culpa foi atribuida aos malditos pneus Dunlop.  Abaixo o resto da sequência. Tomem a árvore como referência e reparem que o carro chegou a parar !







(fotos cortesia Killboy.com e Jim Miller Photography)


 Lembre-se, olhar para onde você quer que a moto vá é a SOLUÇÂO, olhar para obstáculos é o PROBLEMA, olhe sempre para a SOLUÇÂO, jamais para o PROBLEMA.




Seu olhar tem que ser como a luz do farol, ele não deve se fixar em nenhum ponto e sim avançar 2 ou 3 segundos à frente, para onde voce quer que a moto vá. Não desvie jamais o olhar do seu objetivo, especialmente no meio de uma curva.Quando a curva pemitir olhe para onde você quer  o seu ponto de saída.  Combinar o olhar com o contra-esterço, além de resultar em curvas redondas, reduz drasticamente os riscos de acidentes.




NEGOCIANDO A ENTRADA DA CURVA
Para aproveitar ao máximo o espaço disponível e com isso aumentar o raio da curva facilitando o seu contorno, nosso ponto de entrada é o lado externo da curva, isto é: se a curva é para a direita o ponto de entrada será o extremo esquerdo da pista de rolamento. No meio da curva está o ponto de tangência no extremo à direita. O ponto de saída, nesse caso, será no  extremo à esquerda da pista de rolamento. Desenhando num pedaço de papel fica mais fácil de entender. Sempre que possível, visualizar o ponto de tangência da curva e fazer a entrada no lado oposto ao mesmo. Isto é, se o ponto de tangência está à sua esquerda você faz a entrada de curva no limite à direita e vice-versa.

A velocidade de entrada na curva é fundamental para que ela seja feita da forma mais eficiente e segura possível. É preferível reduzir a marcha e entrar em uma velocidade mais baixa com o motor "cheio" e acelerar gradualmente a entrar numa velocidade alta e ter necessidade de reduzi-la "dentro" da curva. Na primeira situação - velocidade mais baixa - o conjunto de movimentos será harmonioso, já no segundo caso - velocidade excessiva - voce vai ter muito mais trabalho para contrariar o comportamento da moto  (mais velocidade = menos inclinação = maior dificuldade de reduzir velocidade = maior dificuldade de passar no ponto de tangência desejado).



A importancia de subir as rotações do motor antes de entrar na curva (através da redução de marcha)   é para sua utilização como "freio motor" caso necessário. Jamais use os freios dianteiro ou traseiro dentro de uma curva. Basta fechar a manete de aceleração que a moto reduzirá e inclinará ainda mais, ajudando na curva. É muito mais seguro entrar em uma curva desconhecida reduzindo para uma marcha mais baixa, com motor "esgoelando", do que entrar "solto" em uma marcha alta.


Outra providencia em curvas mais rápidas é transferir o centro de gravidade para o mais próximo do solo, para isso basta deixar de preguiça e passar o peso do corpo para a pedaleira/plataforma do lado interno da curva aliviando a bunda no banco. Nas tourings isso é um santo remédio para acabar com as pequenas reboladas.


E uma recomendação que poderá salvar sua vida: JAMAIS DESISTA DE UMA CURVA DEPOIS DE INICIADA, a partir do momento em que voce tomou sua decisão vá até o fim. Se entrou rápido demais, feche a manete de aceleração e incline a moto mantendo o olhar para o ponto de saída da curva, sem se preocupar com a pedaleira raspando no chão e, principalmente, SEM OLHAR para os obstáculos: carros em sentido contrário, guard-rails, caminhão ao seu lado, acostamento, etc...Fixe o olhar no seu objetivo e acredite que voce conseguirá.   


Existe uma forma de fazer uma frenagem de emergencia em uma curva utilizando o freio dianteiro no seu limite. Além de exigir muito treino é fundamental que a negociação da entrada da curva tenha sido feita de forma adequada. Se você perceber que a velocidade está muito além do permitido pela curva e não tiver condições de usar o freio motor, retire a inclinação da moto, colocando-a em pé com o guidom reto e aplique o freio dianteiro com vontade sem deixar a roda bloquear e antes de passar para a pista contrária, solte o freio, contra-esterce com vontade e continue na curva.  Isso parece difícil, e é, mas lembre-se que se a negociação da curva foi bem feita a perpendicular que vai do ponto de tangencia até o limite do ponto de saída lhe proporciona alguns bons metros que podem ser a diferença entre cair ou retomar a curva, agora em velocidade mais baixa.
TREINO     Não adianta encontrarmos culpados para os sustos e acidentes que sofremos, vestirmos verdadeiras armaduras medievais para pilotar se não fizermos o fundamental: praticar. É a melhor maneira de criar memória em nossos músculos e neurônios das ações que pretendemos transformar em reflexos. .

Vale a pena estabelecer um programa de treinamento com colegas, escolher um local seguro, levar uma trena, fazer marcações e começar treinando frenagens de emergencia, primeiro a 40 km/h , depois a 60 km/h e assim sucessivamente. Garanto que muitos de nós ainda não vimos o pneu dianteiro de nossas motos bloquearem. É melhor descobrir em treinamentos e saber como proceder do que numa situação real. Até mesmo frenagens de mergencia em curvas podem e devem ser praticadas , utilize um local sem transito e simule curvas com frenagens no meio e continuação da curva, primeiro em velocidades baixas 40, 50 Km/h. Depois em estradas sem movimento, simule a 70/ 80 km/h. Garanto que os dividendos valem a pena.


Hélio Rodrigues Silva   22/11/2010

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Tail of the Dragon - 3a. parte

Cheguei a Deal’s Gap por volta das 11 h e decidi descansar por 1 a 2 horas antes de fazer o circuito. Ainda que tenha atravessado o Smoky Mountain National Park com o dia ensolarado, em meio a uma paisagem belíssima, apressei o passo para poder dedicar mais tempo ao Rabo do Dragão. Convenham que é muito difícil resistir a essas paisagens sem paradas para fotos:


















O  "Tail of the Dragon" fica na US-129, em um trecho de 11 milhas que liga a Carolina do Norte ao Tenessee. Este nome foi adotado devido à quantidade (318) e ao formato das curvas, semelhantes ao serrilhado do rabo de um dragão.  Pelo gráu de dificuldade  das curvas tornou-se um "point" para os motociclistas da região e logo ganhou fama internacional, atraindo motociclistas e turistas de todas as partes do mundo. Vale ressaltar que toda a região tem estradas sensacionais para os amantes do motociclismo e vale a pena prolongar a estada para curti-las.   



 A estrada é de uma única e estreita pista de mão dupla, sem acostamento. As curvas variam mas em sua grande maioria são de raio fechado, algumas em cotovelo, tanto em aclive como em declive. Na maioria dos trechos existem barrancos de um lado e grotões do outro, sem nenhum guard-rail ou mureta de proteção. Árvores de ambos os lados, em determinadas épocas do ano, coalham o chão de folhas que podem prejudicar a aderência dos pneus, especialmente de motos. Tudo isso com o transito aberto a automóveis, moto-homes, caminhões e carretas. O fato é que muitos loucos vão para lá com suas motos e carros esportivos (Corvette, Jaguar, Ferrari, Porsche, etc) com o único objetivo de fazer o trecho no menor tempo possível (existe até um ranking clandestino, segundo soube).  Muitos já perderam a vida ali, existe a relação no site oficial  www.tailofthedragon.com






Enquanto descansava circulando pelo imenso estacionamento que abrangia hotel, posto de gasolina, restaurante e loja de souvenir, observava o burburinho e a agitação que denunciavam a carga de adrenalina presente.












Uma coisa que me chamou a atenção foi a forma como cada motociclista, ou grupo de motociclistas, iniciava o circuito. Eles aguardavam de 2 a 3 minutos quem largou na frente se distanciar antes deles mesmo partirem. Comecei a bolar uma estratégia para fazer a minha passagem. Eusabia da quantidade de curvas, com poucas e curtíssimas retas e que fortes reduções e acelerações seriam uma constante. Optei por utilizar apenas 3 marchas para fazer o circuito, na realidade apenas a 2ª e a 3ª. Buscava com isso reduzir ao mínimo a necessidade de utilizar os freios. A idéia era acelerar nas saídas de curva,jogar uma 3ª. quando possível e nas entradas das curvas reduzir para 2ª. Quando o raio da curva fosse muito fechado, bastaria fechar o punho reduzindo a velocidade para que a moto inclinasse de forma a tangenciar o lado interno da curva. Ao ver o ponto de saída acelerar e tirar a moto da inclinação. Tudo isso usando o contra-esterço,mantendo o foco, sem distrações, olhando para onde quero que a moto vá erespirando corretamente.
Ainda assim adotei uma estratégia bem conservadora, iria andar a uma velocidade que não atrapalhasse ninguém mas também sem bancar o Giacomo Agostini (esse é da minha época) pois estava sozinho, longe de casa e se caio num grotão o risco de ninguém me ver é grande. Atento aos retrovisores, era hora de colocar em prática a estratégia e colher os dividendos das horas de aulas e treinamentos com o meu amigo Cyro França. Devo dizer que foi mais fácil do que imaginava. O momento mais tenso foi exatamente na saída, com todos os olhares (pelo menos é o que imaginamos)  se concentrando em mim e na Angelina mas assim que entramos na estrada tudo ficou mais tranqüilo. Não havia carros nem motos à minha frente, a decisão de utilizar apenas 3 marchas se mostrou acertada facilitando e tornando mais segura a pilotagem. À medida em que as curvas iam sendo vencidas a adrenalina era substituída pela alegria de estar realizando um sonho. Após algum tempo vi um “overlook” com várias motos e carros parados. Curioso parei e fui recompensado. Era uma vista maravilhosa: a represa Calderwood Dam formando o lago do mesmo nome.   




















Após alguns minutos contemplando a belíssima paisagem, baterias devidamente recarregadas, continuamos nosso circuito. Desse ponto em diante, o “Rabo do Dragão” vai ficando mais civilizado e termina quando encontra a State Highway 115. Fiz e o retorno e com os mesmos cuidados da vinda voltei para Deal’s Gap. Parei para comer algo pois a fome chegou avassaladora. O restaurante fica lotado de motociclistas, todos com suas traquitanas eletrônicas (I-pods, GPS, etc). Como eu já tinha sido avisado da previsão de neve nas montanhas aproveitei, enquanto não chegava a comida, para traçar um roteiro de volta. Liguei meu note-book e abri um imenso mapa em cima da mesa. Fez-se um silencia absoluto nas mesas em volta da minha, acho mesmo que ouvi um “-Ohhhhhh”. Os gringos olhavam espantados para mim, para meu mapa e para o note-book, acho que esperavam que eu sacasse um sextante a qualquer momento. Foi muito engraçado.



Com a ajuda do mapa e do note-book tracei um caminho de volta. Inúmeras anotações foram feitas no mapa, sempre sob o olhar espantados dos gringos e eu rindo por dentro.  A única coisa que me incomodava é que não havia feito fotos no meio do “Rabo do Dragão”, principalmente pilotando a Angelina. De repente, vejo uma propaganda do site www.killboy.com e lembrei-me de que o Cyro já havia me falado sobre eles. Procurei um cara com a camisa deles e fui informado que eles tinham fotógrafos em alguns pontos do circuito que colhiam flagrantes e colocavam os melhores para venda através do site. Bastava eu saber o dia e hora aproximada que fiz o circuito. Dei sorte, os caras fizeram uma sequência de 4 fotos em uma das curvas:







  






Essa sequência de fotos deixou-me feliz por dois motivos: em primeiro lugar por registrar minha passagem pelo Tail of the Dragon. Em segundo por mostrar que os ensinamentos não foram em vão pois desde a primeira foto, onde estou saindo de uma curva e prestes a entrar na segunda, percebe-se a trajetória correta e o olhar para o ponto de tangência da curva seguinte. Na segunda foto, a moto exatamente no ponto de tangência e o olhar no ponto de saída. A terceira foto mostra a moto já começando a sair da inclinação em direção à próxima curva. A última foto mostra a moto em direção ao ponto de entrada da curva seguinte, que era para a direita. Acho que, sem querer,  ficou didático. 
Quando terminei o “Rabo da Lagartixa”  (a essas alturas me permiti uma certa intimidade com o Tail of the Dragon) peguei o caminho de volta abandonando a maravilhosa Blue  Ridge Parkway além de evitar o caminho mais curto, a US81. Por causa da ameaça de neve numa e pelo transito pesado na outra. Optei pela US29 que fui encontrar lá em Gransboro, depois de seguir a US40.  Tudo isso dicas de  uma equipe de retaguarda que cuidou de mim como verdadeiros anjos da guarda, avisando-me sobre o tempo, sugerindo roteiros, reservando hotéis e, principalmente, torcendo e vibrando com minhas conquistas. Ouso dizer que formamos um time, e que time ! Cristiane, Bob e seus dois filhos: Tatiane e Jonatah além do meu mestre e incentivador, Comandante Cyro França. Não posso esquecer de Bear e Gus, que me receberam com saltos e latidos de pura alegria quando retornei à linda Charlottesville. Jamais vou conseguir externar toda minha gratidão.






terça-feira, 25 de outubro de 2011

Tail of the Dragon - 2a. parte

Tudo bem, descubro minha estrada e também que não conheço absolutamente nada sobre ela, o tempo urge e não posso desperdiça-lo, assim é que passo a ler os "folders" e livretos com que a vizinha da Cristiane me presenteou, o "google" ajudando nos intervalos mas a melhor ferramenta continuava sendo o  "Ride Planner". Coloquei Charlottesville como ponto de partida e Cherokee como destino, automáticamente o software traçou o caminho mais curto, que não me interessava. Usando a função "drag" (aquela que tem u'a mãozinha) arrastei o caminho traçado para cima da Blue Ridge Parkway e a partir daí comecei a fazer meu planejamento. Calculei quanto rodaria no primeiro dia e estabeleci Boone como local a pernoitar. Para isso inseri-o como um ponto entre as duas cidades originais. Com a função de "zoom" eu conseguia ver as interseções com outras estradas com muita clareza e riqueza de detalhes. Para facilitar minha vida comprei um GPS mas como a traquitana iria chegar dois ou três dias depois e eu estava louco para pegar a estrada, comprei um baita mapa, peguei as instruções , abasteci a Angelina, despedi-me de todos e parti ao encontro de meu Shangri-lá, que dessa vez chamava-se “Tail of the Dragon”.  Foi muito fácil encontrar a “minha” estrada, a sinalização é clara e lógica. 











 



A Blue Ridge é uma estrada de pista única, com mão dupla e praticamente sem acostamento, que liga o Shenandoah National Park, na Virginia, ao Smoky Mountains National Park. Ela tem 440 milhas de extensão e termina na cidade de Cherokee (NC) em um território desta nação indígena.



 




 




















A beleza da estrada, principalmente no outono quando estão mudando as cores da folhagem dando um colorido variado à sua vegetação, além das vistas que se apresentam a medida em que a altitude aumenta, obrigam-nos a parar sempre que aparece um “overlook”, seja para curtir a paisagem, tirar fotos, fazer uma prece agradecendo o milagre da vida ou até mesmo para velhos com a bexiga cheia procurarem o tal de “rest room” e descobrir que não existem. Cada um que dê o seu jeito. O fato é que esses mirantes estão sempre coalhados de motos e, quem sabe influenciados pela beleza da vista,  cumprimentos, sorrisos e votos de boa viagem são trocados efusivamente.










Foi num desses mirantes que conheci o Mark e o John, dois gringos do Arkansas que viajavam juntos. Após tirarmos algumas fotos me convidaram para seguir com eles até a próxima saída para a cidade de Boone, onde, além de jantar, pernoitaríamos.

     
O John saiu na frente, eu em seguida e fechando o “bonde” ia o Mark. O nosso líder imprimia uma velocidade que me obrigou a enroscar mais o punho do que gostaria mas o que fazer ? O grande problema é que seu amigo que fechava o grupo não conseguia nos acompanhar. Tive a ligeira impressão que ele fazia aquilo para se exibir, seja como for resolvi ficar na sua cola e ele passou a  reduzir a velocidade para esperar o amigo se juntar a nós. Chegamos a Boone já anoitecendo e fomos direto jantar num restaurante mexicano. Cerveja (Sol) gelada e comida quentíssima (pimenta), o papo foi legal e o John, que é fazendeiro e criador de touros para rodeio, se disse fã dos peões brasileiros, para ele os melhores do mundo. Fiquei pensando, será que esse sacana pensa que sou peão para andar naquela velocidade ? De qualquer forma resolvi prosseguir sozinho no dia seguinte e, após trocarmos e-mails e despedidas, procurei um hotel, tomei um belo banho e dormi o sono dos justos.
            No dia seguinte acordo bem cedo com uma baita chuva e um frio que pedia um Jack Daniel´s para firmar o caráter. Como estava em jejum não cometi essa temeridade. Curti um pouco mais a cama antes de fazer o desjejum e aproveitar para comer como um camelo, antes de atravessar o deserto,  o faz com a água. Quando termino a lauta refeição a chuva havia parado e alguns rasgos de azul apareciam entre as nuvens. Enxuguei a Angelina com uma toalha do hotel, abasteci-a e novamente Blue Ridge Parkway. Meus amigos é uma estrada de sonho, as paisagens que vão se sucedendo são simplesmente deslumbrantes. A sensação é estarmos pilotando uma Harley dentro de um cartão postal.



  





Como estávamos subindo, chegando ao ponto culminante da estrada, ao mesmo tempo em que a temperatura caia o vento aumentava e a sensação térmica caia uma barbaridade. Foi quando descobri uma grande asneira que cometi: luvas. Levei luvas bem leves, daquelas furadinhas para verão. As juntas dos dedos doíam, latejavam e eu me xingava no mesmo ritmo: “-Burro !”, “-Burro !”.... O que aliviou e até mesmo me fez esquecer o desconforto foi atingir o ponto mais alto da estrada, mais de 6.000 pés de altitude !




 













Enquanto aquecia as mãos junto ao bloco do motor da moto, após as fotos tradicionais, escuto um ronco familiar e três Harleys encostam junto à Angelina e seus pilotos se dirigem ao marco geográfico para as fotos. Como o tripé estava montado ofereci-o para que eles o utilizassem já que a máquina deles tinha “self-timer”.




 







Após as fotos e me perguntarem se eu era russo (!!!!) devido ao meu sotaque, iniciamos um bate-papo e descobrimos que nosso destino era o mesmo. Eles me deram algumas dicas sobre caminhos alternativos que me levariam a chegar à US 129, estrada onde está localizado o  “Rabo do Dragão” em Deal’s Gap. Como faltavam umas 60 milhas para chegar ao fim da Blue Ridge  resolvemos descer juntos até Cherokee, onde eu pretendia pernoitar e eles abastecer as motos. Dessa vez me deixaram fechando o comboio e, mais uma vez, senti que os caras, ou queriam se exibir ou me deixar para trás mesmo. Meus amigos, foi bonito de se ver mas também uma temeridade ainda que eu jamais tivesse ultrapassado meu limite. O fato é que as curvas se sucediam cada vez mais rápidamente, eu só via o cara na minha frente acendendo a luz de freio no meio da maioria delas e se “embananando” todo (tenho isso filmado), dei um pouco mais de espaço para me desviar dele caso necessário e concentrei-me no bailado com a Angelina. Olhar no ponto de tangência, redução de marcha, contra-esterço, peso na plataforma do interior da curva, olhar no ponto de saída, aumento de aceleração e a danada da Angelina se aprumando elegantemente parecendo me dizer: “-É, não está de todo mal para um velho”.  Foi assim o tempo todo até chegarmos a Cherokee. Paramos em um posto logo na entrada da cidade para abastecer e nos despedirmos, foi quando o Rick, que vinha liderando o comboio com sua Springer 97 toda mexida,  falou comigo que normalmente eles não andavam àquela velocidade mas é que eles estavam com muita pressa pois ainda iriam para Gatlinburg, a cerca de 50 milhas.  Ai foi a minha vez de tirar um sarro, respondi: “-Normalmente eu também não ando a essa velocidade mas como não estou com pressa, não tem problema!”. Hehehehehehehehehe.

Abaixo fotos da Springer do cara. Lindíssima.



 









Dormi em Cherokee, uma pequena e agradável cidade dentro de um território indígena e no dia seguinte, antes de seguir viagem, passei no posto para abastecer e aquecer-me com um capuccino. O dono do posto, ao ver meu crachá da Equipe Gato Cansado com o brevê de piloto, perguntou-me se eu era militar. Respondi que sim, da reserva da Força Aérea Brasileira (sou apenas um modesto soldado de 1ª. Classe), e acrescentei: "- a única Força Aérea da América Latina que lutou na 2ª. Guerra Mundial". Pronto, a feição do homem mudou, ele também lutou na 2ª. Guerra. Na hora de pagar ele disse que o capucino era uma cortesia que fazia à nossa gloriosa FAB. Fiquei devendo um capuccino ao 1º. Grupo de Aviação de Caça.












Ao sair do posto tomei a direção de Gatlinburg, no Tenessee, pois as informações sobre a cidade eram as melhores além de me permitir fazer o caminho recomendado pelos gringos que haviam ido para lá na véspera. A estrada para Gatlinburg passa através do Smoky Mountain National Park, ou seja mais uma sucessão de paisagens belíssimas, asfalto perfeito com curvas para todos os gostos, um frio de rachar e o vento que lembrava a Patagônia. Gatlinburg faz juz à fama. No inverno a cidade se transforma numa estação de Sky, mas mesmo no outono o movimento é intenso, principalmente de motos pois a partir dali você pode pegar a “Foothills Parkway” e, mesmo dando uma volta maior, chegar ao “Rabo do Dragão” pelo lado oposto a Deal's Gap, considerado o seu ponto de partida. Esse era nosso propósito.


  




 








Resolvi tirar um dia de folga para conhecer Gatlinburg e fazer algumas compras. Durante toda a viagem mantinha contato via Nextel com o Cyro e a Cristiane, assim é que recebi a notícia que a meteorologia previa neve nas montanhas e uma frente fria se dirigia para a região em que eu estava. Isso mudou meus planos, Foothills Parkway ficaria para outra ocasião, não retornaria pela Blue Ridge e iria para o Dragão o mais rápido possível. Voltei para Cherokee e de lá fui diréto para Robbinsville onde, finalmente, encontrei o Deal’s Gap, a entrada do “Tail of the Dragon”, motivo da minha viagem, ponto de encontro de motociclistas de todas as partes da América e um desafio que, se não encarado com muito respeito, pode ser extremamente desagradável como lembra a árvore decorada com pedaços de motocicleta bem em frente ao que é considerado a "start line" do Tail of the Dragon.







FIM DA 2a. PARTE