HOJE O DESTINO TEVE SUAS OPORTUNIDADES...
Montreal (QC) - Van Buren (ME) 7 julho 2018
Acordei cedo, abri a porta do quarto e tenho a visão que é o sonho de qualquer motoqueiro: sol brilhando no azul metálico de um céu sem nuvens; friozinho que justificava 2a. pele e jaqueta de couro; uma bela moto estacionada na porta do muquifo; em frente, um posto de gasolina meia-bôca com a loja de conveniência servindo café aguado e o croissant que serão saboreados sem pressa, sentado na calçada ao lado da moto. Um privilegio de poucos.
Terminado o café foi só montar na Helô e pegar o transito pesado na 20-E. E isso acontecia nos dois sentidos chamando a atenção a quantidade absurda de moto-home e barcos rebocados. Qualquer ameaça de sol é motivo para os canadenses buscarem rios, praias e lagos. De qualquer forma o trânsito flui bem e dá para desenvolver 70 milhas tranquilamente mas optei por 60 a 65 milhas. Com isso cheguei a alcançar 21,5 Km por litro (89 octanas) além de reduzir a tensão a ponto de não sentir os 640 Km de hoje.
A estrada, apesar do movimento, estava uma delícia. Asfalto perfeito e curvas até que bastante razoáveis para quem vinha andando só em retas. Eu seguia na maior alegria, cuidando com carinho da pilotagem, conversando com a Helô quando, nos retrovisores, vejo uma espécie de árvore de natal: luzes amarelas, vermelhas e azuis piscando, debaixo dessa parafernália um carro branco com a palavra "police". Quase cai da moto de tanta emoção: "- É a minha policial ! Eu sabia que ela iria me procurar....". Era o que eu pensava apesar dos meus 3 cateterismos recomendarem cautela. Uma fibrilação atrial àquelas alturas do campeonato nos levaria às penalidades máximas. Mas eu não estava nem ai tal a emoção de rever a doce criatura com as algemas douradas. Sei que o dia começou maravilhoso mas obviamente não era ela. Em parte até gostei, se fosse o sonho acabaria !
Na realidade era um policial perguntando se eu o vi quando inspecionava um carro no acostamento alguns quilômetros atrás. Claro que vi, respondi. Então porque o senhor não passou para a faixa da esquerda. Nesse ponto confessei que esqueci. Ele de forma educado perguntou se eu me importava dele fazer uma checagem nos documentos da moto. Claro que não. O policial voltou, disse que não havia multas para a moto e que não iria registrar nada, mas para eu tomar cuidado pois no USA a lei é igual. Dei a ele um adesivo do Gato Cansado e pedi para fazer uma foto (inventei que iria escrever um livro) e ele concordou. Ao final ele ainda me sacaneou com a Belgica. Dessa vez não saiu o automático.
Passada a emoção continuei a tocada tranquila e notava, à medida que avançava, o frio cada vez mais intenso. Parei numa área de descanso para um café e fiquei admirando um mapa da região na parede. A faxineira perguntou-me se precisava de ajuda. Disse a ela que queria apenas me localizar. Na conversa disse para onde queria ir (Madawaska no Maine) e ela me falou que a 290 era a opção mais apropriada para motos: visual mais bonito e muitas curvas. A mulher era do ramo, aquela é a famosa "La Route des Frontiéres" .
Foi meio trabalhoso me livrar da teimosia do GPS que tentava me levar por uma estradona de duas pistas, nova em folha e cheia de coxas e nutellas. Valeu a pena, a estrada tinha tudo o que ela falou e mais uma certa dose de emoção. Comecei tateando a uns 50 Km h e fui me soltando aos poucos confiando na qualidade do asfalto. Eis que uma placa em francês informava algo e só descobri quando me vi em cima do "grave" que cobria 50 metros do que era a pista. Não deu para fazer nada a não ser quebrar todos os recordes e rezar 8 Ave Maria e 6 Pai Nosso no espaço de 50 metros. Assustou e sosseguei o facho.
A estrada realmente estava valendo a pena, contornado a infinidade de lagos canadenses e unindo pequenas cidades parecidas saídas de propagandas de chocolate. Em uma delas fui obrigado a parar e procurar um local adequando para meditar e matar a fome. O nome é impronunciável mas a cidadezinha é linda: Pohénégamook.
Foi uma pena deixa-la para trás mas tínhamos que seguir e encontrar a ponte que liga os dois países. Não foi difícil e lembrei-me da viagem com o Filipec ao Alaska. São dois segmentos de ponte com piso de ferro em forma de grade. A Helô rebolou um bocado mas foi tranquilo. Imagino aquilo molhado.
A chegada à Terra de Marlboro foi o ponto alto. Você chega em Madawaska, a cidade mais à Nordeste dos USA que junto com Key West, San Izidro e Blaine formam o "Four Corners", desafio criado pelo pessoal da Harley Davidson (acho que a turma do HOG) que consiste em percorre-las em X dias (acho que 7, sei lá). Mas você não chega apenas à cidade, na realidade você dá de cara com o Four Corners Park.
Curioso como sou tratei de subir uma rampa e entrar no tal park. Imediatamente um coroa baixinho, com cara de motociclista das antigas, veio me receber e me entregou um certificado comprovando que passei por lá. Com direito a foto no monumento e tudo o mais. O negócio é levado tão a sério que em frente ao monumento colocam placas de granito com o nome e data dos que concluíram o desafio.
Depois dessa tratei de procurar um hotel pois já escurecia. Consegui um em Caribu a 35 milhas dali. Pilotar á noite e com frio foi a melhor forma de terminar um belíssimo dia. Juro que olhava para o céu e me sentia pilotando o meu Sopwith Camel preocupado com o patife do Barão Vermelho.
Obrigado pela paciência àqueles que chegaram até aqui.